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Como ficam as aplicações em previdência privada em caso de divórcio?


Em outras oportunidades já destacamos que é extremamente importante que o casal discuta a escolha do regime de bens antes do casamento, já que estas regras possuem particularidades normalmente desconhecidas, que podem trazer conflitos durante o casamento ou união estável e, principalmente, em caso de término da união.


Certamente a maioria da população tem o conhecimento básico em torno das regras dos principais regimes de bens. Sabe-se que, em caso de separação total de bens, se houver o término da união, cada cônjuge seguirá com aqueles que estiverem registrados em seu nome. No regime de comunhão universal, como o próprio nome indica, não interessa com quais bens cada um entrou para união, em caso de término, todos serão reunidos e partilhados ao meio. Já na comunhão parcial, apenas serão divididos os bens adquiridos durante a constância da sociedade conjugal. Contudo, o que normalmente não se sabe é que a lei prescreve exceções para cada uma das situações acima, havendo grande debate no Poder Judiciário em torno de algumas situações.


Nos dias de hoje, por exemplo, tem surgido o foco no que diz respeito à comunicabilidade ou não dos valores aplicados nas previdências privadas, dado ao enorme crescimento desta modalidade de aplicação financeira, em razão da preocupação com a saúde financeira numa idade mais avançada, onde a capacidade de trabalho já não é a mesma.


As previdências privadas são investimentos financeiros que, em tese, representariam um acúmulo mensal de valores, para que, ao término de terminado período, o aplicador pudesse resgatar os valores acumulados e seus rendimentos, ou, noutra opção, passe a receber uma renda vitalícia previamente ajustada, permitindo o sustento do beneficiário. O direito classifica o investimento como pecúlio, ou seja, como uma reserva para uma eventualidade futura.


Importante ainda saber que os planos de previdência classificam-se em abertos e fechados. Os abertos são os que são ofertados pelas instituições financeiras, sendo os mais conhecidos o VGBL e o PGBL. Já os fechados são oferecidos por empresas a seus funcionários, possuindo características mais restritas, visando a garantia da estabilidade dos associados, como, por exemplo, a impossibilidade de resgate antecipado ou grande perda do valor investido em caso de saída do plano.


Como a média de expectativa de vida tem subido cada vez mais, as pessoas têm se preocupado bastante com seu futuro financeiro, buscando os planos de previdência privada para garantir uma aposentadoria mais tranquila. De olho neste mercado, as instituições financeiras têm captado, para os planos abertos, cada vez mais investidores, com a garantia de uma remuneração interessante de capital, aliada à possibilidade de saída do plano a qualquer momento. Em outras palavras, o que se tem visto é uma verdadeira transformação da característica da previdência privada de “reserva para eventualidade futura” para mera “aplicação financeira”, o que em Direito chamaríamos de mudança da natureza jurídica do instituto, passando de pecúlio à investimento.


As observações acima são extremamente importantes, na medida em que, com o crescimento deste investimento, vários casais que estão terminando sua união, se veem diante da dúvida entre a partilha ou não do recurso financeiro aplicado nas previdências privadas, o que ocorre especialmente no caso do regime de comunhão parcial de bens, que é o mais comum.


Neste tipo de regime de bens, além da noção geral de comunicabilidade de recursos obtidos após a união, como dito acima, a lei traça uma série de exceções, contudo, sem adentrar em minúcias, o que alimenta as dúvidas existentes. O art. 1.659, VI e VII, do Código Civil, por exemplo, estabelece que excluem-se da comunhão, ainda que obtidos durante o casamento, os proventos do trabalho pessoal de cada um e os recursos advindos de pensões (quantias pagas visando subsistência), meios-soldos (valor pago pelo Estado ao militar reformado) e montepios (montante pago ao herdeiro de funcionário público falecido).


Diante dos artigos de lei citados, numa rápida olhada, tenderíamos a dizer que os recursos aplicados nos planos de previdência estariam excluídos da divisão de bens, no caso do divórcio ou término da união estável. Ora, sendo a contribuição mensal que se aporta no plano de previdência obtida com o fruto do trabalho e, sendo o objetivo desta mesma previdência a obtenção de pensão ou renda futura (pecúlio), teríamos o enquadramento dos valores da previdência privada claramente incluídas nestes dispositivos.

Contudo, entendemos que a questão merece ser analisada com mais critério.


Primeiramente, quanto ao inciso VI, do art. 1.659, do CC, que estabelece a incomunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal, nos parece óbvio que a previsão pretende abarcar o salário do indivíduo, suficiente para sua subsistência, e não os valores acumulados em virtude de poupança ou sobras das despesas. Realmente, não fosse assim o regime de comunhão parcial não existiria e nada adquirido na constância do casamento seria dividido, pois, salvo situações de recebimento de doação ou herança, tudo que uma pessoa compra durante a união é com o fruto do seu trabalho. Assim, o que a lei quer dizer é que o salário não é comunicável, mas, quando o recebimento de novos proventos, a sobra do valor recebido no mês anterior é considerada acúmulo de patrimônio que deve ser dividido.


O próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que mesmo as verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente, desde que percebidas durante o casamento[1], devem ser divididas, já que perderam o caráter de subsistência, o que corrobora o entendimento acima.


Na mesma linha o inciso VII, acima mencionado, busca claramente a exclusão de verbas que pretendam servir como subsistência do indivíduo, possibilitando uma vida digna e não o acúmulo ou bens obtidos com estas quantias.


Importante dizer que o mesmo Código Civil, no art. 1.660, I, prescreve que devem se comunicar os bens (ou recursos) adquiridos na constância do casamento ainda que só em nome de um dos cônjuges. Diante desta previsão, nos parece cristalino o raciocínio do legislador em estabelecer um regramento para o regime de comunhão parcial de bens, que pretende reconhecer a contribuição de ambos os cônjuges em tudo que for adquirido durante a união, ainda que não tenha participado diretamente com dinheiro para tal aquisição. Ora, muitas vezes um dos cônjuges tem sucesso profissional e financeiro, mas, tal sucesso só é obtido com o sacrifício do outro, que se empenha na estabilidade e regularidade do lar! Somente devem ser excluídos neste regime, os bens recebidos por doação ou herança, já que aí realmente não há nenhum tipo de participação de um no benefício obtido pelo outro.


Nesta linha de raciocínio e, especialmente considerando que cada vez mais as previdências privadas têm sido divulgadas como uma forma de investimento com liquidez, além do viés de pecúlio, é impossível não reconhecer o caráter de divisibilidade deste recurso no regime de comunhão parcial de bens!


Isto fica ainda mais evidente no caso dos planos de previdência privados, já que os mesmos podem ser resgatados à qualquer tempo, como qualquer tipo de investimento, não se justificando o tratamento diferenciado com os investimentos em ações ou mesmo no caso da poupança, por exemplo.


Raciocinar diferente seria viabilizar a fraude, já que a pessoa poderia, por exemplo, vender todos os bens que deveriam ser objeto de meação e investir a quantia obtida em uma previdência privada em nome próprio, buscando a incomunicabilidade!


Importante reconhecer que alguns autores entendem que a situação das previdências privadas fechadas demanda uma análise mais criteriosa, pois, como dito, têm características próprias que impedem sua classificação como investimento comum. Segundo estes, caso tenha sido adquirida verdadeiramente com intenção de pecúlio, e, que o beneficiário já esteja recebendo mensalmente a quantia prevista, seria delicado pretender a divisão do capital.


Reconhecemos que cada caso deve ser visto com bastante critério, contudo, mantemos nosso posicionamento no sentido de que os valores acumulados no curso da relação devem ser divididos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte de um dos cônjuges.


As questões relativas à divisão de bens e aos regimes, como se vê, não são tão simples quanto parecem e demandam análise de cada caso, com critério, técnica e conhecimento.



[1] (REsp 646.529/SP, Ministra Nancy Andrighi, 21/08/2005)

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