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FAMÍLIAS POLIAFETIVAS E PARALELAS: TABU OU REALIDADE?



O falecimento recente do cantor Mr. Catra chamou a atenção sob vários aspectos, dentre eles não só a perda de uma personalidade reconhecida no meio artístico, mas também sobre o destino a ser dado a seu patrimônio, diante da particularidade de sua formação familiar.


O referido cantor sempre alardeou possuir mais de 03 (três) mulheres e 32 (trinta e dois) filhos, com quem convivia maritalmente e de forma ostensiva, o que traz questionamentos jurídicos a respeito de quais destas pessoas terão algum direito em seu inventário.


É sabido que a Constituição Federal de 1988 lançou novos olhares sobre o Direito de Família, inaugurando uma abordagem diferenciada onde busca amparar não só as relações familiares já tradicionalmente reconhecidas provenientes do casamento, mas também decorrentes de outros laços, sejam sanguíneos, embasados na convivência, ou, nos dizeres do art. 1.593[1], do Código Civil, firmados com “outra origem”.


O novo padrão de reconhecimento familiar passa a se sustentar em princípios como a isonomia, igualdade, solidariedade e respeito à dignidade da pessoa humana.


A obediência a estes e a outros princípios conduziu a inovações importantes como a possibilidade de reconhecimento de união estável, validação da igualdade entre filhos naturais, havidos ou não dentro do casamento e os adotados, casamento ou reconhecimento de união estável homoafetiva, dentre outros.


Mas, se por um lado a sociedade evidencia uma gama de novas estruturas vivenciadas agora de forma pública, nem sempre o Poder Judiciário tem lhes concedido reconhecimento jurídico, deixando os componentes destes núcleos legalmente desamparados.


No caso público do Mr. Catra, a doutrina especializada tem nomeado o grupo como “família paralela” ou “família simultânea”, onde um integrante comum convive de forma pública em mais de um núcleo familiar independente.


Outro tipo de agrupamento familiar decorre relação entre três ou mais pessoas em um núcleo familiar. Tal relacionamento é denominado pela doutrina como “família poliafetiva” ou “família simultânea”.

Ocorre que ao contrário da doutrina, os Tribunais não veem a questão com a mesma tranquilidade e, salvo algumas decisões ainda tímidas[2], não validam estes tipos de relacionamento, sobretudo porque entendem ser a monogamia um requisito inafastável para a efetiva formação de relações familiares juridicamente amparáveis.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância de tais relações jurídicas e põe a matéria em discussão, a título de repercussão geral, nos temas 526 e 529, ainda sem decisão final.


Na específica hipótese da famílias paralelas, quando os envolvidos desconhecem a existência uns dos outros, em vista de estarem se relacionando imbuídas de boa fé, os Tribunais[3] tem entendido que, sob o aspecto patrimonial, os bens pertencem a todas as famílias, razão pela qual, em eventual necessidade partilha, esta deve se dar em cotas igualitárias.


Em decisão relativamente recente (fevereiro de 2016) o Superior Tribunal de Justiça firmou tese onde decidiu que “não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas”[4].


A questão envolvendo a poliafetividade, num primeiro momento parecia menos tormentosa, já que nesta realidade todos os envolvidos têm ciência e aprovam mais de um outro partícipe na relação. Existe, pois um desejo comum de que a relação se forme e se desenvolva desta maneira.


Há inclusive situações em que Cartórios chegaram a lavrar escrituras de relacionamentos entre mais de duas pessoas.


Contudo, o Conselho Nacional de Justiça em recente decisão[5] ceifou tal prática proibindo-a de maneira expressa, devolvendo a questão ao status quo.


Como se observa, o consenso sobre a matéria ainda está muito longe de ser estabelecido.


Ao ensejo, vale considerar sempre que na moderna visão constitucional devem ser protegidas as relações familiares, não se especificando ou relacionando quais seriam os tipos protegidos. A família não é um fim em si mesma, não pode ser resguardada apenas como instituto, mas devendo ser entendida como um meio apto a permitir relacionamentos formados com base na solidariedade, na igualdade e na busca de promover a dignidade e o desenvolvimento de todos os seus membros.


Em nossa visão, não há como se negar que as famílias simultâneas e poliafetivas são um fenômeno social já arraigado, merecendo um tratamento mais flexível por parte do Poder Judiciário e em mais consonância com o que vem pregando a doutrina. Obviamente, cada caso concreto deve ser analisado com critério, sob pena de se banalizar o instituto familiar.




[1] Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.


[2] TJMA – apelação cível - 19048/2013 (728-90.2007.8.10.0115) – Terceira Câmara Cível – Publicação – 15/07/2014

TJRS - Apelação Cível Nº 70025094707 - Sétima Câmara Cível - Julgado em 22/10/2008.


[3] TJRS - Apelação Cível Nº 70022775605 - Oitava Câmara Cível - Julgado em 07/08/2008



[4] AgInt no AREsp 455777 / DF AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0422348-8 – Publicação: 08/09/2016


[5] Pedido de Providências - 0001459-08.2016.2.00.0000 – Plenário – Corregedoria Nacional de Justiça – data de julgamento: 26/06/2018



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