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Criança pode ser dona de imóvel?


Vez por outra ouvimos dizer que uma criança é proprietária de determinados bens.


Via de regra estes bens são de baixo valor econômico, entretanto, há hipóteses em que o montante envolvido é expressivo, como ocorre com a propriedade de veículos e imóveis, o que pode causar certa estranheza.


Para esclarecer esta situação, é necessário entender dois conceitos jurídicos basilares, quais sejam, personalidade e capacidade jurídica.


Entende-se por “personalidade jurídica” a aptidão para que um sujeito possa titularizar direitos e deveres no âmbito civil. Segundo o Código Civil, “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres” e, conforme a redação do artigo 2º da referida lei, a personalidade começa com o nascimento com vida, resguardando, entretanto, os direitos do nascituro, ou seja, do feto que se encontra no ventre materno.


Nosso ordenamento civil deixa claro, portanto, que, desde o momento em que o ser humano é concebido, ele poderá ser sujeito de direitos e deveres. Por outro lado, temos que reconhecer que a o discernimento reduzido de crianças ou pessoas acometidas de doenças mentais pode impedi-las de gerenciar o seu patrimônio de forma consciente.


Desta forma, tais pessoas, apesar de possuírem personalidade jurídica, não possuem capacidade jurídica para administrar sozinhas a sua vida civil. Em resumo, a capacidade jurídica diz respeito à possibilidade de uma pessoa exercer os direitos que possui de forma consciente.


A legislação civil subdivide a capacidade civil em razão do grau de discernimento de cada pessoa, classificando como plenamente capazes aqueles com mais de 18 (dezoito) anos. Estas pessoas, em condições normais de saúde e discernimento, podem realizar todos os atos da vida civil.


Os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito; os ébrios habituais (alcoólatras) e viciados em tóxicos; aqueles que não puderem exprimir sua vontade (em coma, por exemplo); e os pródigos (os que gastam desmedidamente, sem reservar o necessário ao próprio sustento ou da família); aqueles que são acometidos de alguma doença que lhe prejudique o discernimento, são classificados como relativamente capazes. Nestas situações, as pessoas têm algum discernimento, mas não o suficiente para evitar prejuízos a si mesmos ou terceiros.


Importante salientar que a doença mental até o ano de 2015 era prevista como situação de absoluta incapacidade. No entanto, a Lei Federal nº 13.146, de 6/07/2015 – Estatuto do Deficiente – trouxe mudanças neste contexto, afirmando que a deficiência, por si só, não se traduz em incapacidade. A referida Lei pretende garantir maior integração e autonomia dos que são ali mencionados, resguardando sua dignidade.


Os relativamente capazes podem realizar os atos da vida civil, entretanto com a necessidade de acompanhamento por um terceiro que irá fiscalizar seus interesses, que irão lhes assistir.

Quando trata-se de uma criança, estes terceiros são geralmente seus pais, que irão lhe assistir nos atos da vida civil em decorrência do poder familiar. Em casos específicos é possível a determinação judicial de um tutor para fazer este papel e auxiliar a criança.


Envolvendo pessoas maiores, existe a necessidade de intervenção judicial para designação de um curador, que irá exercer a mesma função dos pais, fiscalizando os seus interesses.


Por fim, a legislação ainda classifica como absolutamente incapazes àqueles com menos de 16 anos ou quem não possui capacidade mínima de discernimento para prática dos atos da vida civil. Nestas situações, para que estas pessoas pratiquem quaisquer atos da vida civil, é necessário que sejam representados por seus pais, tutores ou curadores, dependendo do caso específico.


Em qualquer caso, seja de assistência dos relativamente capazes, seja de representação dos absolutamente incapazes, os seus tutores ou curadores deverão prezar pelos seus interesses, podendo, inclusive, responder judicialmente pelos prejuízos que sua negligência causar.


Finalizando o tópico da capacidade civil, não podemos deixar de mencionar o instituto da emancipação, que permite que algumas crianças, mesmo sem ter atingido a maioridade, possam ser consideradas como plenamente capazes para os atos da vida civil.


Existem três espécies de emancipação, a voluntária, a tácita ou legal, e a judicial. A voluntária poderá ser realizada somente para crianças que já completaram 16 anos, e deve ser realizada pelos pais conjuntamente sob a forma de registro público. Em caso de recusa de um dos pais é possível se recorrer às vias judiciais apara solucionar a questão.


Com relação à emancipação tácita, esta independe de ato expresso, ou seja, ocorre automaticamente caso preenchidos os requisitos legais dispostos no art. 5º do CC/02. Como exemplo podemos citar o caso do menor que já possui condições de autossustento, o casamento, ou exercício de emprego público efetivo.


Já a emancipação judicial, deverá ser utilizada para resguardar os direitos das crianças que são tuteladas, evitando-se, assim, que sejam tomadas medidas em prejuízos destas crianças. Somente será concedida após análise cautelosa do magistrado responsável e do representante do Ministério Público.


Como é de se notar, importantíssimo compreender as noções de capacidade jurídica, já que os atos praticados sem os requisitos legais elencados acima, poderão trazer aos envolvidos graves prejuízos, acarretando, inclusive, na nulidade dos atos ou contratos firmados.


Assim, desde que atenda disposições legalmente estabelecidas, conforme acima delineado, uma criança poderá sim ser proprietária de bens, qualquer que seja sua natureza ou o seu valor.

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