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Filhos de Criação têm Direitos!



Por bastante tempo, o Direito regulamentou a formação familiar em parâmetros conservadores que previam a proteção jurídica da família somente para aquelas constituídas pelo casamento entre um homem e uma mulher, bem como para os filhos decorrentes desta relação. Após muito tempo e esforço, a Justiça prevaleceu e esta não é mais a realidade.



O Supremo Tribunal Federal já reconheceu inovações importantes no Direito de Família, dentre elas a equiparação das famílias informais (uniões estáveis) ao casamento, reconhecimento da constituição familiar homoafetiva, dentre outros.


Ultrapassados os entraves para reconhecimento da modalidade de família pelo casal, o Direito precisou se voltar também para os frutos das uniões formadas, ou seja, para a proteção integral dos filhos.


De fato, a ausência de reconhecimento de uma união estável, por exemplo, trazia como consequência direta a impossibilidade de reconhecimento de um filho dela decorrente, pois, como dito, o Direito apenas reconhecia os filhos da família formada pelo casamento.


Não raro, o Poder Judiciário se deparava com pedidos de direitos de filhos frutos de uniões tidas como impuras e, portanto, marginalizadas, confrontando-os com os direitos dos filhos nascidos do casamento.

Em outros casos, tem sido bastante comum que após a reconstituição familiar de alguém que passou pelo divórcio, a relação existente entre padrastos ou madrastas e seus enteados se tornarem muito próximas, até igualando-se à relação existente com os pais biológicos. São os chamados filhos socioafetivos, ou seja, aqueles que são tidos e reconhecidos socialmente como filhos, apesar de não existir vínculos sanguíneos entre as partes.


O problema é que estas relações, na maioria das vezes por falta de informação, permanecem na informalidade, causando graves entraves em caso de necessidade de, por exemplo, o filho socioafetivo necessitar de pleitear uma herança.


É necessário que se saiba, portanto, que hoje existe a possibilidade de se ter reconhecido o vínculo socioafetivo formalmente, resguardando direitos e obrigações para ambas as partes.


Por anos, a doutrina do Direito de Família tem defendido a equiparação do tratamento jurídico a todos os filhos, independentemente da sua origem, em franca obediência ao art. 227, 6º, da Constituição Federal. Tal reconhecimento pelo STF se deu recentemente[1], onde ficou declarada a possibilidade até mesmo de um filho ter em sua certidão de nascimento dois pais, o biológico e o socioafetivo!


Portanto, necessário que se regulamente a situação fática já existente, para fins de reconhecimento jurídico do vínculo afetivo existente entre as partes envolvidas. Importante dizer, entretanto, que os caminhos para o reconhecimento da socioafetividade serão mais fáceis, quando o sentimento for recíproco entre os envolvidos.


De fato, até pouco tempo atrás a única forma de se obter este reconhecimento era a via judicial, opção que, como se sabe, envolve uma ação extremamente demorada, podendo se estender por anos e gerar desgastes em decorrência do processo.


Visando facilitar a regularização destas situações, foi promulgado o Provimento Nº 63 de 14/11/2017 pelo Conselho Nacional de Justiça, trazendo disposições que permitem o reconhecimento da socioafetividade por via extrajudicial, no próprio Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.


Antes de se buscar este caminho, contudo, necessário que as partes tenham em mente a certeza de sua relação, já que, mesmo sendo permitida a constituição da paternidade ou maternidade jurídica por via cartorária, a sua desconstituição somente poderá se dar por via judicial, nos casos específicos em que ficar comprovado vício de vontade, fraude ou simulação durante o processo de reconhecimento.


Outro ponto importante de se ter em mente é que, tendo sido reconhecida a paternidade ou maternidade socioafetiva, o novo filho terá os mesmos direitos e deveres dos filhos biológicos, inclusive com relação à herança e a possibilidade de pleitear alimentos.


Para efetivação deste reconhecimento, são exigidos alguns requisitos, alguns deles extraídos do procedimento da adoção, quais sejam: vedação do reconhecimento da socioafetividade entre irmãos ou ascendentes; exigência da maioridade daquele que pretende ser reconhecido como pai; diferença mínima de 16 (dezesseis anos) entre as partes.


Ainda, especificamente para o procedimento extrajudicial, é necessária a anuência dos pais biológicos, e, quando a criança possuir mais de 12 anos, também será necessária sua anuência, sendo que, caso impossível a sua obtenção, a situação poderá ser levada ao Judiciário para resolução da questão.

Como último requisito, o procedimento cartorário somente poderá ser utilizado quando não existir discussão judicial sobre a filiação.


Ao final do procedimento, será registrada a nova filiação, sem exclusão do pai ou mãe biológicos, passando a constar o nome de dois pais ou duas mães no Registro Civil da criança. Até então, pelo texto atualmente vigente, permite-se o reconhecimento de apenas dois pais e/ou duas mães no registro.


Para casos que fujam aos critérios acima elencados, apenas se obterá o registro e consequentes efeitos legais, através de ação judicial, com necessidade de análise criteriosa dos detalhes envolvidos no caso concreto.


Concluímos, portanto, que o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva tornou-se muito mais acessível, mas isto não retirou a importância da análise criteriosa da situação para tomada de uma decisão consciente, inclusive das suas repercussões no âmbito do Direito de Família e Sucessório.




[1] RE 898.060, Min. Rel. Luiz Fux, DJe-187, Divulgação 23/08/2017, Publicação 24/08/2017.


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