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Existe Contrato de Namoro?



A mídia nacional recentemente tem divulgado a existência de um grande número de casais que tem corrido aos cartórios para celebrar “contratos de namoro”. A intenção destas pessoas é deixar claro o tipo de relacionamento vivido, buscando evitar futuros questionamentos a respeito da existência de união estável, com todas as consequências daí advindas, dentre elas, partilha de bens e pedidos de pensão alimentícia.


O tema nos parece polêmico e a eficácia da medida bastante discutível.


A união estável é uma modalidade de constituição familiar informal, que teve seu reconhecimento como entidade familiar somente na Constituição Federal de 1.988[1]. Até então, somente a família criada pelo casamento possuía reconhecimento jurídico e, em decorrência disto, apenas os casados obtinham direitos junto ao Poder Judiciário, quando da dissolução da família.


Após o reconhecimento pela Constituição, a Lei nº 8.971/94 definiu a união estável através de requisitos objetivos para facilitar sua identificação, já que esta modalidade de família tem como marca a informalidade, ou seja, não necessita de documento que a evidencie, como é o caso da certidão de casamento. Assim, seriam consideradas como estáveis aquelas uniões formadas por pessoas de sexo diverso, solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas, que convivessem por mais de 05 (cinco) anos ou tivessem prole comum.


Em que pese estes requisitos facilitassem o reconhecimento da união estável no caso concreto, os mesmos foram considerados injustos, pois existem uniões por prazo menor que são estáveis, e, de outro lado, existem vários casais que sequer namoraram, mas, por descuido, acabaram tendo filhos.


Assim, a Lei 9.278/96 modificou o referido conceito, deixando de lado os requisitos objetivos para analisar o caso concreto, sob uma ótica subjetiva. Este raciocínio foi seguido também pelo Código Civil de 2.002, que definiu a união estável como sendo aquela formada por um homem e uma mulher[2], que convivam de forma pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família.


A definição através de critérios subjetivos é mais difícil de ser trabalhada, mas permite ao julgador mais liberdade para identificar a sua existência quando da análise do caso concreto. A tarefa não é fácil e demanda robusta prova, já que, nos casos litigiosos, normalmente uma das partes entende estar presente a união estável, enquanto a outra alega que a relação é de namoro.


Portanto, como a atual legislação afastou o requisito temporal para identificação da união estável, aquela pessoa que se sente lesada no término do relacionamento deverá recorrer à Justiça, apresentando provas da publicidade de sua união, constituída de modo a evidenciar convivência em caráter familiar.


Auxiliam no reconhecimento, provas de dependência econômica (contas bancárias conjuntas, cartões de crédito, quotas de clubes etc), de convivência familiar (fotos de festas tradicionalmente vividas em família como as religiosas e também outras), de moradia (ou convivência rotineira) sob o mesmo teto[3], dentre outras.


Como algumas das situações enumeradas podem ser visualizadas em vários namoros na atualidade, surge espaço para diversas confusões e divergências de entendimentos, trazendo a possibilidade de litígio por bens ou pensão alimentícia após o término da união. É bom lembrar que nem sempre os envolvidos estão de má-fé, já que no campo emocional existe espaço para grandes ilusões e desilusões. Muitas pessoas, em razão da cegueira causada pelo sentimento, não percebem que este não é correspondido. Contudo, para fins de reconhecimento de união estável, ambos devem estar imbuídos no mesmo objetivo de viver como família.


Fato é que esta situação nos traz de volta ao tema acima colocado. Quando um namoro começa a se tornar mais sério ou duradouro, mas não existe ainda a intenção de conviver enquanto família, posso celebrar um “contrato” deixando claras as intenções? Isto tem valor jurídico? Meu patrimônio estará protegido em caso de término da relação afetiva?


O problema é que a definição do tipo de relação como namoro ou união estável irá ditar a possibilidade de pleito de direitos, mas, não sendo o namoro uma relação jurídica, não há como regulamentá-lo via documentos entre as partes! Os contratos existem para que se tornem válidas as obrigações ali inseridas, que devem obediência também à legislação. Por outro lado, não havendo lei que preveja a relação de namoro, as eventuais convenções a este respeito são desamparadas de força coercitiva, podendo ser classificadas como inexistentes no mundo jurídico.


Namoro é um período de conhecimento, de estudo do outro, de convivência espontânea, contudo, sem objetivo direcionado à formação familiar. Já união estável é uma relação de fato, que tem plena existência independentemente de qualquer tipo de documento que a estabeleça.


Vale dizer que embora o Código Civil estabeleça a POSSIBILIDADE das partes regulamentarem sua união estável por meio de contrato escrito, isto não é um requisito para seu reconhecimento. Trata-se apenas de uma FACULDADE prevista na lei para fins de regulamentação patrimonial.


O fato, portanto, é que, caso se celebre o chamado “contrato de namoro”, não se estará regulamentando nenhuma obrigação jurídica exigível e, ainda mais importante, tal documento jamais terá força para afastar os efeitos legais previstos para a união estável. Explicando melhor: caso as partes evidenciem em sua relação os requisitos da união estável, estarão sujeitas aos direitos e obrigações previstos na lei, independentemente do que tiverem estipulado no contrato de namoro.


Analisando alguns destes documentos disponíveis na internet percebemos que, em sua maioria, dispõem que as partes possuem relação de namoro e que, na eventualidade de ser reconhecida uma união estável, à elas se aplicará o regime de separação de bens. Em nosso entender, a celebração deste tipo de documento reforça a tese de que já existe uma união estável e, por outro lado, torna questionável a aplicação do regime ali previsto, pois sujeita a condição futura.


Prescreve o art. 1.725, do CC/02, que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais o regime de comunhão parcial. Nesta linha de raciocínio, se a relação entre as partes atingiu um nível de intimidade tal que possa ser confundida com uma união estável, talvez o melhor seja já reconhecê-la de uma vez via contrato escrito, fixando o regime de bens que o casal pretender.


Nesta ótica, se por acaso a relação retroceder e vier a terminar, não haverá nenhum prejuízo com a fixação do regime para o namoro, já que esta relação jurídica não existe. Por outro lado, caso o namoro evolua e esteja regulamentado pelo “contrato de namoro”, teremos um documento inexistente juridicamente, aplicando-se o regime de comunhão parcial, por estar previsto em lei, desde o momento em que forem evidenciadas as características da união.


Importante dizer que quando se trata de relação jurídica de família existem sempre particularidades a serem consideradas e a solução adotada para um caso talvez não seja a mais aconselhada em outro. Uma orientação adequada no tocante aos efeitos das diferentes modalidades de constituição familiar no plano patrimonial certamente poderá evitar prejuízos.




[1] Art. 226, §3º.


[2] Este requisito foi superado após julgamento em caráter vinculativo no STF.


[3] O Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio da Súmula 382, consagrou entendimento de que morar sob o mesmo teto não é indispensável para fins de reconhecimento da união estável.



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