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Resumo da Palestra Sobre Regimes de Bens e Ordem de Vocação Hereditária



Mesmo sendo situação rotineira na prática, os inventários que envolvem pessoas casadas acabam por suscitar dúvidas aos operadores do Direito e também às partes envolvidas. Isto ocorre porque o casamento, instituto de Direito de Família, é dissolvido não só pelo divórcio, mas também pela morte, que é fato jurídico cujos efeitos são estudados pelo Direito das Sucessões.


A ordem de chamamento dos herdeiros é estabelecida conforme expectativa do falecido quanto a destinação de seus bens. A lei procura responder à pergunta: “O que você gostaria de fazer com seus bens, caso falecesse agora?” O problema é que o Código Civil de 2.002, ao responder a esta questão, não foi feliz em sua redação, causando enormes problemas práticos e grande insegurança jurídica.


Acompanhando as previsões trazidas pela Constituição Federal de 1988, o Código Civil percebeu a necessidade de melhorar a situação dos cônjuges regulamentada pela lei anterior, datada de 1.916, claramente superada. As mudanças se justificavam, já que atualmente, muitas vezes os cônjuges acabam por ter uma convivência mais íntima do que a que têm com seus próprios pais, dadas as dificuldades e urgências da vida moderna.


Assim, promoveu-se uma “revolução” em parâmetros básicos do Direito Sucessório, com o reconhecimento de novos direitos ao cônjuge, alçando-o à condição de herdeiro necessário, resguardando o direito real de habitação, e, melhorando sua posição na ordem de vocação hereditária.


Neste último aspecto, a lei criou a possibilidade de concorrência dos cônjuges com os ascendentes, e, também com os descendentes em algumas situações, de acordo com o regime de bens existente entre as partes. Contudo, imprescindível destacar que a confusão entre Direito de Família e Direito Sucessório é apenas aparente, não se misturando os institutos! A morte do cônjuge não dá ao outro o direito de meação de bens, pois este direito lhe é conferido pelo regime de casamento. Com o óbito, apenas separamos o que é de cada cônjuge na sociedade conjugal, para fins de identificação do que será efetivamente a herança.


Na distribuição da herança, a questão mais simples a se analisar é a que diz respeito à concorrência dos cônjuges com os ascendentes. Nesta hipótese, a relação afetiva e de convivência entre os cônjuges foi equiparada pela lei ao laço de sangue existente com os ascendentes, estabelecendo a lei que eles recebem em igualdade. Assim, se o pai e mãe do falecido estiverem vivos, a herança será repartida com o cônjuge, e todos dividirão os direitos à proporção de 1/3 para cada. Se houver apenas o pai ou a mãe, a herança será dividida ao meio entre este e o cônjuge. A proporção de metade em favor do cônjuge será mantida caso os pais sejam falecidos, mas existam outros ascendentes vivos.


Muito mais tormentosa é a análise da concorrência do cônjuge com os descendentes, onde se objetivou conceder proteção ao cônjuge no processo sucessório quando NECESSÁRIO, evitando que ele caia em dificuldades quando a situação familiar for de conflito. A análise do art. 1.829 do atual Código conduz a esta interpretação de que a necessidade de proteção ao cônjuge surge quando este não tiver ficado com bens em razão da regulamentação do regime de bens.


Realmente, ali está previsto que o cônjuge poderá receber herança juntamente com os descendentes sempre que NÃO for casado no regime de comunhão universal e no regime de comunhão parcial sem bens particulares. Também se exclui esta concorrência se o regime for de separação obrigatória, o que ocorre por coerência normativa. O Direito de Família entende que em estando um dos cônjuges em situação de fragilidade, não poderá haver comunicação patrimonial, situação que deve ser seguida por ocasião da distribuição da herança.


A concorrência do cônjuge com os descendentes, portanto, se dará apenas no regime de separação convencional de bens, no regime de comunhão parcial de bens com bens particulares, e, no regime de participação final nos aquestos, sendo que nas duas últimas hipóteses, a concorrência se dará apenas quanto aos bens particulares.


Vale destacar que a interpretação do art. 1.829, foi alvo de grandes batalhas judiciais, com dissenso também na doutrina mais abalizada. Entretanto, o entendimento explicitado acima foi consolidado na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça - STJ, após mais de 13 anos, quando do julgamento do REsp 1.382.170/SP, em 22/04/2015.


As dificuldades relativas ao assunto não se limitam à definição de quais situações ocorreria a concorrência entre cônjuges e descendentes, mas também no montante desta participação. O art. 1.832, estabelece que se o cônjuge for o ascendente dos demais herdeiros concorrentes terá para si o mínimo de 1/4 da herança, e, não o sendo, a quota será sempre equivalente. Permaneceu carente de solução das situações onde houverem herdeiros de mais de uma união.


Também aqui a doutrina e jurisprudência têm apresentado soluções diferenciadas, sendo que alguns autores defendem verdadeiras operações matemáticas para tentar atingir o teor da norma. Pensamos que o princípio da simplicidade deve nortear a interpretação, e, por uma questão de igualdade, em havendo herdeiros das duas uniões, ao cônjuge deve caber quinhão igual ao dos demais.


Como se vê, o tema realmente não é fácil e certamente traz a necessidade de cuidados por parte do interprete. É certo que o Código Civil necessita de aprimoramento, mas, até lá, os intérpretes devem se pautar por uma análise sistemática do Direito, mas, cientificamente mantendo separados os paradigmas de cada disciplina, em especial as do Direito de Família e do Direito das Soluções.







* Este artigo representa o resumo da palestra apresentada no I Congresso Mineiro de Direito das Sucessões, no dia 18/08/17.




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