Os deveres do casamento
Não restam dúvidas que o respeito e a fidelidade são a base para que qualquer relação gere frutos e se desenvolva e, no casamento, isso se mostra ainda mais claro. Entretanto, poucos sabem que estes são, além de obrigações de origem moral, deveres previstos em lei para aqueles que se casam.
Os deveres do casamento são elencados no art. 1.566 do Código Civil, que estabelece os deveres de fidelidade recíproca; vida em conjunto no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; e, respeito e consideração mútuos.
É comum algumas pessoas nos procurarem munidas de várias provas a respeito do adultério do cônjuge, ou mesmo de seu abandono do lar, preparando-se para um verdadeira batalha judicial. Trata-se de providência desgastante e desnecessária!
De fato, num passado relativamente recente, a violação a qualquer dos deveres do casamento significava infringência à lei, possuindo como consequência imediata a possibilidade de uma separação com atribuição de culpa ao infrator, trazendo-lhe consequências graves. A primeira regulamentação do divórcio no Direito Brasileiro, trazia como punições possíveis ao culpado pelo término do casamento: a perda de pensão alimentícia; perda da guarda de filhos; e até a obrigatoriedade da mudança do uso do sobrenome, no caso da mulher.
Atualmente, contudo, o caráter legal destas obrigações tem sido mitigado e as consequências relativizadas para possibilitar que se chegue a um desenlace mais rápido da união em vez de prender o casal num litígio que pode tomar preciosos anos de suas vidas.
A posição do legislador é louvável, já que a abrangência e o próprio conteúdo dos deveres legais do casamento têm uma significação completamente diferente do que já tiveram numa outra época, sendo difícil a própria análise dos mesmos.
Veja-se, por exemplo, a fidelidade recíproca. Este é um dever civil que também já teve sua previsão em nosso Direito Penal, sendo sua infração tipificada como crime de adultério (art. 240), punível com pena restritiva de liberdade. Isto, porém, ficou para o passado, já que o dispositivo foi revogado em 2005. Na verdade, com a grande mudança nos costumes sociais e a enorme liberdade sexual, atualmente é até mesmo difícil delimitar um conceito genérico a respeito do que seja efetivamente fidelidade.
Com relação ao dever de vida em comum no domicílio conjugal se pode dizer o mesmo, sendo que o abandono de lar também já não gera maiores consequências. Na verdade, muitos casais são até obrigados a morar em casas separadas e até cidades diferentes, diante das enormes dificuldades que o nosso mercado de trabalho pode demandar.
O dever de sustento, guarda e educação dos filhos atualmente é visto como algo independente da relação do casamento, sendo que a Constituição Federal assegura a proteção da criança e do adolescente em caráter prioritário, sendo dos pais a obrigação primeira nesse sentido.
O que dizer então do dever de respeito e consideração mútuos? Nada mais subjetivo nos dias atuais, em que pese possa ser considerado como princípio basilar para qualquer relação matrimonial saudável.
O que se percebeu ao longo dos anos é que a busca por um culpado pelo término do casamento, com consequente atribuição das punições legais, era um medida que apenas provocava enorme atraso na vida dos envolvidos. Estes passavam anos nos Tribunais se desgastando numa briga diariamente renovada, em torno de uma relação que já não tinha mais nenhuma possibilidade de ser salva.
Assim pensando, desde a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a família como base da sociedade, a legislação civil também vem mudando, especialmente retirando as punições previstas aos “culpados” pelo término do relacionamento. Não se pretende com isto premiar a falta de compromisso, mas, ao contrário, possibilitar que aquela união que não deu certo tenha o seu final decretado o mais rapidamente possível, para que o “inocente” dê sequência em sua vida, em vez de ficar discutindo questões íntimas com pessoas que nada têm a ver com sua vida.
Na verdade, alguns doutrinadores e operadores do Direito ainda tentam se prender a uma saga vingativa, defendendo possibilidades de busca de indenizações e outras medidas judiciais, com intuito único de atingir a outra parte. Não desconsideramos que as teses tenham o devido embasamento jurídico, mas, por outro lado, pensamos sinceramente que o desgaste emocional e financeiro envolvido, definitivamente não compensará eventual êxito nesta demanda.
Concluímos destacando que os deveres matrimoniais encontram-se relativizados em nossa sociedade, porém ainda trazem pressupostos essenciais para a saudável relação matrimonial. Por outro lado, caso sejam tais deveres infringidos e as mágoas não possam ser superadas, que os envolvidos reflitam imensamente a respeito dos próximos passos, optando por um desenlace consensual e menos traumático, em vez de buscar soluções judiciais que apenas renovarão suas angústias e aumentaram seus prejuízos financeiros.